A ciência tem enfatizado a importância do estilo de vida para a longevidade e prevenção de doenças, mas apenas recentemente temos compreendido e valorizado o sono. Nas últimas duas décadas, o sono tem sido um foco de pesquisa científica, proporcionando informações e clareza sobre este aspecto tão importante da vida.
O ciclo vigília-sono é controlado por um bio-ritmo neuroquímico que acompanha as variações circadianas relacionadas aos diferentes estágios do sono e da vigília. O sono é um estado fisiológico cíclico caracterizado por cinco estágios fundamentais, analisados pelo eletrencefalograma (EEG). Além disso, os aspectos fisiológicos e as variações patológicas deste ciclo são estudados na prática clínica para compreender os distúrbios do sono.
Sabemos que o sono é crucial para a saúde e que a privação do sono pode estar relacionada a problemas cardiovasculares e aumento de peso, enquanto o uso crônico de medicamentos para dormir pode estar relacionado a demência. No entanto, a quantidade de sono necessária varia de acordo com as necessidades individuais, idade, fases da vida, entre outros fatores. É importante destacar que simplesmente dormir mais pode não ser o indicado para uma boa saúde, pois a duração do sono também tem relação com algumas enfermidades - o tempo que dormimos a noite tem relação direta com as doenças cardiovasculares (DCV). Em um estudo realizado nos EUA em 2010, com mais de 30.000 adultos entrevistados, foi verificado que períodos curtos e longos de sono foram positivamente associados com a DCV, aumentando o risco de mortalidade.
Além das questões subjetivas como sensação de cansaço ao acordar e/ou sonolência diurna, existe a Polissonografia - que é o exame usado para a investigação de vários distúrbios relacionados ao sono como insônia, ronco, apneia do sono, por exemplo. Esse exame permite a mensuração de alguns parâmetros fisiológicos tais como: atividade elétrica cerebral e identificação das fases do sono (eletroencefalograma), movimentação ocular aleatória e associação das fases ao sono com as características das ondas cerebrais determinam se a fase do sono é REM ou Não-REM, movimentação das pernas (sensores de movimento nos membros inferiores), relaxamento muscular (eletromiograma), além da respiração (fluxos aéreos nasal e bucal e pelos movimentos respiratórios), batimentos cardíacos (eletrocardiograma) e nível de oxigênio no sangue (oximetria).
Recentes estudos apontam que medicamentos ansiolíticos e hipnóticos, frequentemente utilizados em casos de distúrbios do sono, podem aumentar consideravelmente o risco de mortalidade. Uma pesquisa americana de 2012, que contou com a participação de mais de 30.000 indivíduos, revelou que o grupo de usuários dessas drogas apresentou risco de morte 3,5 vezes maior do que o grupo de controle, que nunca utilizou esses medicamentos - inclusive os que fizeram uso menos de 18 vezes ao ano (6).
Em um estudo inglês publicado em 2014, com mais de 100.000 pacientes pareados por idade e sexo, foi observado que aqueles que usaram ansiolíticos e/ou hipnóticos tiveram três vezes mais chances de morrer prematuramente do que aqueles que não utilizaram essas drogas durante um período de dois anos e meio (7). Além disso, o uso crônico de ansiolíticos, sobretudo do grupo dos benzodiazepínicos, pode trazer outros efeitos nocivos, como a diminuição da agilidade mental e alterações de memória (8).
Embora ainda não esteja estabelecida a relação dessas drogas com a doença de Alzheimer e demência, tais riscos merecem atenção (9). Contudo, em certos casos, a prescrição desses medicamentos pode ser útil para promover um sono reparador, embora não tratem a causa dos problemas relacionados ao sono. As drogas não benzodiazepínicas apresentam um perfil de efeitos colaterais consideravelmente mais seguro em comparação com as mais antigas, porém ainda há riscos envolvidos, principalmente para indivíduos com condições médicas específicas, como doenças renais ou hepáticas.
Um estudo publicado no Lancet em 2009 de José M. Marin e colaboradores mostrou um aumento de quatro vezes dos eventos cardiovasculares não fatais (como infarto agudo do miocardio e evento vascular encefálico) em pessoas que tem apneia e não usam CPAP (ContinuousPositive Airway Pressure – ou aparelho para facilitar a respiração na hora que o ar chegaria com dificuldade ou não chegaria aos pulmões). Ao acompanhar as pessoas por 120 meses, foi observado que aqueles que não utilizaram o CPAP tiveram um aumento de 26% na mortalidade, enquanto aqueles que usaram o aparelho tiveram um aumento de apenas 8% (em pessoas 10 anos mais velhas).
Isso indica que, independentemente da idade, o uso de CPAP é o fator determinante para reduzir a mortalidade de pessoas com apneia do sono, podendo reduzir em até três vezes o risco de morte.Devido ao grande impacto que o sono tem na saúde, é essencial que as pessoas estejam atentas a este tema e, ao identificar qualquer alteração, procurem orientação médica o mais cedo possível. Os profissionais da saúde devem questionar e investigar de forma rotineira a quantidade e qualidade do sono de seus pacientes, com o objetivo de diagnosticar precocemente algum distúrbio que pode vir a causa impacto negativo na saúde e sobrevida dessa pessoa.
Artigo escrito por Dra. Mariela de Oliveira Silveira - CRM-RS 27661 / RQE 21935 - Diretora técnica médica do Kurotel
Referências: (1) Eur Heart J. 2011 Jun;32(12):1484-92. doi: 10.1093/eurheartj/ehr007. Epub 2011 Feb 7. (2) Sleep. 2013 Jul 1;36(7):981-990.(3) Obesity (Silver Spring). 2008 Mar; 16 (3):643-53. doi: 10.1038/oby. 2007.118. Epub 2008 Jan 17. (4) JAMA Intern Med. 2015;175(3):401-407. do:10.1001/jamainternmed.2014.7663. (5) SLEEP, Vol. 33, No. 8, 2010 (6) Kripke DF, Langer RD, Kline LE. BMJ Open 2012;2: 000850.do:10.1136/bmjopen-2012-000850 (7) BMJ 2014; 348 doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.g1996 (Published 19 March 2014) (8) Drugs Aging. 2012 Aug 1;29(8):639-58 (9) BMJ 2016; 352 doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.i90 (Published 02 February 2016)